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Advogada grávida tem pedido de prioridade negado por desembargador no RS: 'Mostrei minha barriga porque ele duvidou'

Gestante pediu preferência para fazer sustentação oral em sessão virtual do TRT4, em Porto Alegre. Desembargador diz lamentar incidente e argumenta que segu...

Advogada grávida tem pedido de prioridade negado por desembargador no RS: 'Mostrei minha barriga porque ele duvidou'
Advogada grávida tem pedido de prioridade negado por desembargador no RS: 'Mostrei minha barriga porque ele duvidou' (Foto: Reprodução)

Gestante pediu preferência para fazer sustentação oral em sessão virtual do TRT4, em Porto Alegre. Desembargador diz lamentar incidente e argumenta que seguiu entendimento de não conceder preferências em sessões online. CNJ apura conduta de magistrado. Advogada grávida tem pedido de prioridade negado por desembargador no RS Uma advogada grávida teve o pedido de prioridade negado durante um julgamento na 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), em Porto Alegre, na quinta-feira (27). Após a repercussão do caso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a abertura de um processo para investigar a conduta do desembargador Luiz Alberto de Vargas, que negou a solicitação (entenda abaixo). 📲 Acesse o canal do g1 RS no WhatsApp A sessão foi transmitida ao vivo pelo canal da 8ª Turma do TRT4 no YouTube. No vídeo, é possível ver o pedido da advogada, as negativas do desembargador e os protestos de alguns dos presentes (assista às imagens acima). Marianne Bernardi de Oliveira, de 34 anos e no oitavo mês de gestação do primeiro filho, havia solicitado preferência para realizar a sustentação oral, que é quando um advogado apresenta seus argumentos em um processo. Ao g1, a advogada disse que ao longo das mais de sete horas de sessão, passou mal, sentindo tontura e fome. "Foram momentos constrangedores e humilhantes. Ele diz: 'eu não sei se a doutora está grávida ou não'. Nisso eu me levanto e mostrar que estou grávida. Mostrei minha barriga porque ele duvidou", diz. Durante o julgamento, Luiz Alberto de Vargas argumentou que os pedidos de preferência só eram concedidos em sessões presenciais e não em audiências virtuais, como aquela. O desembargador afirmou ao g1 que a prática de não dar preferências a ninguém ocorria desde a pandemia. "Aconteceu um incidente que eu lamento. Se eu pudesse voltar atrás, eu não faria de novo. Nosso procedimento é de dar preferência para gestantes e lactantes, mas também dar preferência para todos os requisitos legais. Mas, durante a pandemia, pela novidade da sustentação pela internet, nós tínhamos consensuado na 8ª Turma e com os advogados que não daríamos preferência para ninguém", afirma. A Lei Nº 13.363, sancionada em 2016, estipula direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai. Um dos direitos previsto é o de "preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição". Conheça as principais leis que protegem as mães brasileiras Desembargador diz que 'gravidez não é doença' após advogada faltar audiência no Pará Advogada Marianne Bernardi de Oliveira e desembargador Luiz Alberto de Vargas durante sessão Reprodução/TRT4 Marianne afirma que ao longo da gestação sempre participou de audiências e que nunca havia pedido prioridade, o que julgou ser necessário na última quinta por estar com mal-estar. A sessão havia começado por volta das 9 horas da manhã. O processo da advogada era o 84º da lista de 156 ações previstas naquele dia. Tanto representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) quanto desembargadores solicitaram a Vargas que concedesse a preferência à Marianne. Ela só pôde se manifestar por volta das 16h30. "Nesse dia, o único dia em que eu estava me sentindo mal, tontura, eu pedi ao desembargador no início da sessão que me dessa prioridade prevista em lei. No outro dia, fui no obstetra e ele disse que eu poderia ter rompido a minha bolsa na quinta-feira. O abalo emocional, o estresse, veio tudo", relata Marianne. O desembargador afirma que a decisão da 8ª Turma sobre o processo do qual a advogada representava uma das partes já tinha a decisão conhecida – de vitória ao cliente de Marianne. Para Luiz Alberto de Vargas, a defensora poderia ter desistido de fazer a sustentação oral. "Eu subestimei os problemas que tive na sessão e subestimei a capacidade da advogada de criar problemas, porque, no meio da sessão, ela já estava mandando nas redes sociais. Se ela tivesse aberto mão [da sustentação oral], o processo dela seria julgado às 9 horas. E ela já sabia que tinha ganho. Ela podia, simplesmente, abrir mão da sustentação oral, ficar em casa assistindo à Sessão da Tarde do que ficar assistindo a uma sessão chata da 8ª Turma", comenta Vargas. A advogada lamentou as justificativas dadas pelo magistrado à imprensa, dizendo que ele não se retratou pelo episódio. "Eu queria estar paz, cuidando da minha gestação, e estou passando por estresse por pura arrogância dele. Ele não se retratou, ele não dá o braço a torcer", lamenta. Já Vargas lamentou o que chamou de "incidente" e a repercussão negativa do caso. O desembargador diz que pediu uma licença de 30 dias em razão do episódio. "Foi um incidente lamentável e totalmente desnecessário. Eu te confesso que fiquei muito estressado, muito chateado. Tenho orgulho da minha trajetória, tenho orgulho da minha biografia. Eu não merecia uma coisa dessas. Isso me abalou", fala. Advogada grávida mostra barriga durante sessão virtual do TRT4, em Porto Alegre Reprodução/TRT4 Investigação do CNJ O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão determinou a abertura de uma reclamação disciplinar para investigar "potencial cometimento de infração" pelo desembargador. A apuração vai verificar se a postura de Vargas "estaria em conflito com o previsto na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no regramento traçado pelo CNJ, em especial o que tem a ver com as questões de gênero". "Tais questões (as supostas infrações) exigem um olhar atento e que abomine todas as formas de discriminação ou violência, o que inclui tratamento adequado e paritário dispensado àqueles que exercem os serviços no Poder Judiciário, além daqueles que, de qualquer forma, se utilizam das suas dependências ou são usuários dos serviços prestados", argumenta o corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão. Ao g1, Vargas confirmou ter recebido o comunicado do CNJ e que vai procurar um advogado para sua defesa. "Se eu errei, cabe ao tribunal reparar", diz. A advogada Marianne Bernardi de Oliveira diz esperar por uma punição contra o desembargador. "Eu espero que tenha um resultado, não só por mim, pela humilhação que eu passei, mas por todas as mulheres que passam por isso. Ele tem que ser punido porque ele coloca em xeque a confiança que a gente tem como cidadão no Judiciário", afirma a advogada. O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília (DF) WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO Reação de entidades Diversas entidades se manifestaram contra a conduta do desembargador. Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região afirma que o ato de Vargas "não representa o posicionamento institucional do Tribunal". "A Administração do TRT4 destaca que o Tribunal é referência nacional em políticas de gênero, pioneiro na implementação de uma Política de Equidade e de ações afirmativas voltadas à inclusão das mulheres e à promoção da igualdade", diz. A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que o desembargador "violou, deliberada e reiteradamente, os direitos legalmente assegurados às advogadas" e que "é inaceitável que, em pleno ano de 2024, os direitos fundamentais das mulheres no ambiente de trabalho e as prerrogativas das advogadas sejam violadas de tal maneira". O presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, afirma que "é incontestável a prerrogativa de proteger a saúde e garantir condições adequadas de trabalho às advogadas em período de gestação". O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul afirma que "é imperativo garantir o respeito às trabalhadoras gestantes e lactantes, que merecem ser amparadas em seus direitos em todos os ambientes de trabalho, incluindo o Poder Judiciário". Entidades como a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a Associação Gaúcha da Advocacia Trabalhista (Agetra), a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (Satergs) e um grupo de juízas e desembargadoras mulheres do TRT4 também criticaram a postura do desembargador. Sede do Tribunal Regional do Trabalho, em Porto Alegre TRT4/Divulgação VÍDEOS: Tudo sobre o RS